Deus não está separado do mundo como um grande legislador. Não existe uma entidade criadora do mundo que agora o observa à distância, julgando-o e decidindo seu destino final. Até hoje não conseguimos definir a natureza de Deus porque sempre o confundimos com um ser à nossa imagem e semelhança. Os teólogos, claro, mas também os filósofos. Não surpreende pois o objetivo dos teólogos sempre foi a obediência. A escritura é mandamento. A tradição descreve Deus como se fosse um homem, um rei, um déspota: com vontades, sentimentos, objetivos, e atributos corporais.
Esta visão é exageradamente antropomórfica e confessa uma ingenuidade para entender a essência das coisas. Por uma visão utilitarista, somos levados a crer que a natureza, e nós mesmos, temos um objetivo a ser cumprido, e concluímos que fomos criados com um destino a se cumprir. Sendo assim, achamos que um ser que nos criou à sua imagem e semelhança tem certo desígnios para nós. Mas Espinosa argumenta que se fosse dada a um triângulo a chance de definir Deus, este o faria dizendo que Ele possui três lados e a soma de seus ângulos internos resultam em 180 graus. E assim o homem, por ignorar as causas de seu conhecimento, o faz: Deus vê tudo, ouve tudo, sabe tudo, pode tudo e nos deu mandamentos que não podem ser quebrados.
Isto está de todo errado. Deus é o mundo, Deus é a Natureza. São dois nomes para uma única e mesma coisa. É preciso conhecer a natureza, o máximo que pudermos, se quisermos conhecer Deus. Ele não é exterior, ele é a causa interior de tudo que existe. A causa da essência e da existência de tudo, a causa imanente, não transitiva, ou seja, agindo em nós. Deus não gera o mundo por livre vontade, ele é o mundo por pura necessidade de sua essência. “Deus não produz porque quer, mas porque é” (Deleuze, Espinosa e o Problema da Expressão, p. 69).
A Criação de Adão, Michelangelo. Visão antropomórfica de Deus